Riquezas

29/06/2010 15:46

 

Jesus nos aconselha a não acumular tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e os ladrões roubam e furtam. Melhor é acumular te­souros no céu. A maioria das pessoas faz uma distinção entre riquezas da terra e riquezas do céu. Separam a realidade em duas, em que os bens materiais (como casa, carros e jóias) são considerados riquezas da terra, e os bens imateriais (como caráter, liberdade e alegria) são chamados tesou­ros do céu. Mas Jesus não fez a distinção entre tesouros da terra e tesouros do céu. Jesus falou de tesouros na terra e te­souros no céu. Ele não fez distinção entre riquezas, mas sim entre lugares onde essas riquezas estão armazenadas ou guardadas: na terra ou no céu.

A realidade é una. Lembrando sempre que somos pó da terra e fôlego da vida, o pão e a alegria são partes indispensáveis da aventura de viver. A casa e o acolhimento fraterno são faces complementares do abri­go. Abrir mão de possuir para encontrar a alegria é uma experiência pessoal, própria para aqueles cujos corações estão cativos da realidade material. As trilhas estóica, cínica e fransciscana não são, necessariamente, os únicos caminhos para a bem–aventurança. O segredo não é deixar de ter, mas saber ter. A sabedoria não consiste em abrir mão dos tesouros da terra, mas sim em colocar os tesouros da terra no céu.

 

A maneira como lidamos com o dinheiro determina "quem é o dono de quem", como diz o poeta. Jesus mostrou dois caminhos possíveis: ser escravo do dinheiro e ser súdito do Reino de Deus. Não dá para ser–fazer as duas coisas. E uma coisa é certa: o dinheiro é um deus que reivindica lealdade absoluta. É chamado de Mamom, um deus, o que surpreende muita gente, pois desfaz a noção de que o dinheiro é neutro. Está enganado aquele que pensa que o dinheiro não é bom nem mau e que mau é o amor ao dinheiro. Na verdade, o dinheiro tem a capacidade de aprisionar o coração, "pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o teu coração". Por esta razão Jesus recomendou que o dinheiro fosse colocado no céu, pois somente lá não apenas ele estará seguro, como tambem nós estaremos seguros em relação a ele.

 

John Wesley, fundador do Metodismo, disse que tão logo o dinheiro chegava a seu bolso, ele dava um jeito de livrar–se dele, para que o di­nheiro não encontrasse o caminho de seu coração. Acho que "livrar–se do dinheiro" é uma possível tradução para "ajuntar tesouros no céu".

 

Acredito que existem quatro maneiras de nos livrarmos do dinheiro, A primeira é por meio da restituição. Não se iluda. Se você (em nas mãos dinheiro que jamais deveria ser chamado de seu, dinheiro que foi ganho de maneira ilícita, então tem no bolso uma bomba de tempo, que cedo ou tarde vai explodir, deixando sua vida em cacos. Essa foi a experiência de Zaqueu, o homem que encontrou a felicidade quando imergiu no Reino de Deus e descobriu que deveria devolver tudo quanto havia roubado e usurpado.7

 

A segunda maneira de ajuntar tesouros no céu é por meio da doação, Certa vez, um homem rico foi perguntar a Jesus como poderia herdar a vida eterna.8 Depois de um breve diálogo tratando de obediência aos man­damentos divinos – questões morais e comportamentais–, Jesus foi direto ao ponto:

 

— "Venda tudo o que você possui e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois venha e siga–me".

 

Por trás desse evento, existem duas sabedorias que contrariam o sen­so comum. A primeira é a noção de que Jesus mandou trocar as riquezas da terra pelas riquezas do céu. Mas já sabemos que Jesus não faz essa distinção. Não se trata de abrir mão de ter aqui para ter depois da morte. Depois que o homem rico foi embora, de volta para seu dinheiro, Jesus explicou a seus discípulos que "ninguém que tenha deixado casa, mu­lher, irmãos, pai ou filhos por causa do Reino de Deus deixará de rece­ber, na presente era, muitas vezes mais, e, na era futura, a vida eterna". Isso não significa que o ingresso no Reino de Deus implica abandono do lar e de todo e qualquer tipo de posse. Não é que você dá as cosias para o que possui e para as pessoas que ama e fica de frente para Deus. O segre­do consiste em colocar Deus entre você, suas posses e as pessoas que você ama. Isso significa que, a partir do ingresso no Reino de Deus, suas rela­ções com tudo e com todos são mediadas por sua disponibilidade a Deus. Nada estará em suas mãos como posse, mas sim como dádiva, primeiro a Deus e depois a quem precisar. De fato, "é dando que se recebe", pois uma vez que você dá a quem precisa, por amor ao Reino de Deus, você recebe cem vezes mais, isto é, abre mão do pouco que possui para ter acesso a tudo quanto Deus possui.

 

A segunda sabedoria desse conselho de Jesus, "vende tudo e dê o di­nheiro aos pobres, para receber cem vezes mais agora e no futuro a vida eterna", é que se imagina que a vida eterna é uma experiência apenas fu­tura. Acredito que a vida eterna começa agora. O paraíso começa aqui. O céu é, também, um estado de espírito, um senso de plenitude. O paradoxo é que somente o tesouro que não é retido egoisticamente satisfaz o coração humano. Somente quem abre mão de possuir é agraciado com a sensação de possuir tudo. Qualquer riqueza utilizada de modo egocêntrico seria sempre riqueza que se esvai pelos dedos, deixando a sensação de nunca ter existido, imprimindo no coração a sensação de empobrecimento. Ri­queza despendida egoisticamente é riqueza consumida, que vai deixando a sensação de perda. Riqueza partilhada é riqueza multiplicada.

 

A terceira maneira de nos livrar do dinheiro e de ajuntar tesouros no céu é negociando. Negociar é colocar dinheiro em circulação. Colo­car dinheiro em circulação significa duas coisas: criar oportunidades para a multiplicação de riquezas e correr o risco de perder dinheiro.

 

Essa é a sabedoria da famosa "parábola dos talentos" contada por Jesus.9 O Reino dos céus é

como um homem que, ao sair de viagem, chamou seus servos e confiou–lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois, e a outro um; a cada um de acordo com a sua capacidade. Em seguida partiu de viagem. O que havia recebido cinco talentos saiu imedia­tamente, aplicou–os, e ganhou mais cinco. Também o que tinha dois talentos ganhou mais dois. Mas o que tinha recebido um talento saiu, cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro do seu se­nhor. Depois de muito tempo o senhor daqueles servos voltou e acertou contas com eles. O que tinha recebido cinco talentos trouxe os outros cinco e disse: "O senhor me confiou cinco talentos; veja, eu ganhei mais cinco". O senhor respondeu: "Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!" Veio também o que tinha recebido dois talentos e disse: "O senhor me confiou dois talentos; veja, eu ganhei mais dois". O senhor respondeu: "Muito bem, ser­vo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!" Por fim veio o que tinha recebido um talento e disse: "Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não se­meou. Por isso, tive medo, saí e escondi o seu talento no chão. Veja, aqui está o que lhe pertence". O senhor respondeu: "Servo mau e negligente! Você sabia que eu colho onde não plantei e junto onde não semeei? Então você devia ter confiado o meu dinheiro aos ban­queiros, para que, quando eu voltasse, o recebesse de volta com juros. Tirem o talento dele e entreguem–no ao que tem dez. Pois a quem tem mais será dado, e terá em grande quantidade. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado. E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes."

Viu como funciona? Você dizia que, se fosse rico, tambem se tornaria um doador solidário e faria negócios com mais ousadia, e a sabedoria vem ensinar que quem não faz com pouco não vai fazer com muito, ou o me­lhor, somente quem faz com pouco poderá, um dia, ter muito. O trato correto com os tesouros não depende da quantidade das riquezas, mas sim da atitude do coração. Vale a máxima popular: "quem não arrisca, não petisca". Quem opta pela retenção dos tesouros achando ser esse o caminho de maior segurança acaba sendo réu de juízo, acusado de inter­romper o fluxo das riquezas, num universo em que tudo deve estar em constante movimento, sob pena de tornar–se obsoleto e de deteriorar–se até apodrecer e morrer.

 

Finalmente, acredito que administrar riquezas é outra maneira de nos livrar do dinheiro e ajuntar tesouros no céu. A riqueza bem adminis­trada não se perde. Na verdade, se renova e se redimensiona.

 

Administrar bem significa três coisas. Primeiro, ser capaz de usar as riquezas materiais em favor das riquezas imateriais. A sabedoria está na arte de transformar valores efémeros em valores perenes, bens perecíveis em bens não–perecíveis, coisas tangíveis em realidades intangíveis. Por exem­plo, transformar dinheiro em educação–conhecimento, terrenos em saú­de, carros em contentamento, ouro e jóias em socorro solidário. Somente assim, o que temos, muito ou pouco, manterá nosso coração cheio e satis­feito, sem a sensação da falta, pois nos tornamos capazes de dar significado existencial aos tesouros.

 

Além de saber usar as riquezas, administrar bem significa multiplicar as riquezas, isto é, fazer todas as contas crescerem sem precisar sacar de uma para depositar na outra. Com isso, evitamos criar anti–riquezas, como, por exemplo, faz aquele que saca da conta caráter para depositar na conta cor­rente, ou da conta saúde para depositar na conta carreira, ou da conta amizade para depositar na conta status. O Rabino Nilton Bonder "adverte que o justo tem obrigação de criar o máximo de abundância que não gera escassez".10

 

Um jeito de criar riqueza sem gerar escassez é pagar pelas coisas ape­nas o preço da etiqueta. Um terreno que vale 30 mil reais não pode ser comprado por 30 mil reais mais um ambiente familiar tenso e muitas noi­tes mal dormidas. Um carro que vale 17 mil reais não pode ser comprado por 17 mil reais menos a educação adequada dos filhos. Uma blusa que vale 27 reais não pode ser comprada por 27 reais menos a tarde de sábado com marido ou namorado. Essa arte está ligada à capacidade de valoração ou à escala de valores de cada um. Pessoas que confundem preço com valor não são boas administradoras. Pessoas que não têm seus valores e ordem certa viverão sempre criando anti–riquezas e gerando escassez. Pessoas valem mais do que coisas. Significado vale mais do que sucesso. Relacionamentos valem mais do que dinheiro. Paz de consciência vale mais do que status. Sempre.

 

A melhor síntese da sabedoria que deve determinar nossa relação com as riquezas e tesouros foi feita por Viv Grigg, em seu imperdível livro Servos entre os pobres: "Ganhe muito, gaste pouco, não acumule nada, doe generosamente e durma tranquilo". Em outras palavras, quem precisa de muito para viver e/ou quem usa o que tem apenas consigo mesmo, ainda não aprendeu a viver. E não sabe lidar com riquezas.

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